Parei o carro. Logo atrás veio o “Deixa R$10 aí! “, mais conhecido como flanelinha. Colou já com o preço tabelado. Segui meu rumo, quase ignorando, a copiosa cena que todo brasileiro vive.
Fui pego pelo braço. Alcoolizado, o guardador de carros ameaçou a integridade do carro e da minha liberdade. Um chacoalho abrupto no braço obrigou a soltura involuntária.
Passei a entender os benefícios em abrir mão do carro próprio por serviços como Uber. Desde de 2014, o app de transporte alternativo opera no Brasil. Nos últimos meses, recebeu maior atenção e inúmeras ofensivas de órgãos protecionistas aos taxistas.
A plataforma intermedia corridas entre clientes e motoristas cadastrados que oferecem carros low, medium e premium cost; uma carona paga sem taxímetro. Categorizado como elitista, o aplicativo possui a opção uberX, uma tarifa 30% menor que a do UberBlack. Valor consideravelmente abaixo da tabela de “embutidos” de taxistas.
Atrasadas, as leis brasileiras discutem a legitimidade do Uber. Múltiplos interesses permeiam a discussão, principalmente a dita concorrência desleal.
Quem nunca passou situações em que o valor do táxi foi arredondado e troco sonegado, sermões preconceituosos e religiosos incitados? Até casos de usurpação de identidade.
Aonde vamos?
O Brasil passa pela pior crise econômica desde 1990. Diretamente impactados, os cidadãos buscam adaptar suas necessidades ao bolso.
Simultaneamente, movimentos de pressão no governo, interessados na proibição do Uber, são incessantes. Um levantamento da BBC Brasil mostra que já existem projetos de lei que buscam proibir a ferramenta em 15 capitais e no Distrito Federal.
Hoje, a companhia norte-americana atua em quatro capitais, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Em todas, existem projetos de lei contra o serviço.
Vereadores de outras 13 metrópoles – Aracaju, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Goiânia, João Pessoa, Maceió, Manaus, Natal, Recife, Salvador e Vitória – se anteciparam a eventual instalação.
Em argumentação, o Uber se prontifica a criar no País 30 mil oportunidades no mercado de trabalho até outubro de 2016.
Profissão do “cincão”
O cargo de guardador e lavador autônomo de veículos automotores foi criado pela Lei Federal nº 6.242, de 23 de setembro de 1975, e regulamentada pelo Decreto nº 79.797, de 8 de junho de 1977, impondo o registro nas Delegacias Regionais do Trabalho.
O cenário de desemprego, entre os anos 60 e seguintes, oportunizou alternativas de sustento. Apesar de outorgar o cargo, o governo deixou de garantir uma renda salarial. Deixou ao léu da economia informal, atualmente, de 16,1% do PIB.
Em média, um flanelinha cobra “cincão” por carro. Se 20 carros estacionarem com ele, o dia fecha em R$ 100. Por semana R$ 600 e, mensalmente, R$ 2400.
Conto a ponto: Uber versus táxi
A versão premium, UberBlack, custa em média 5% a mais do que os táxis convencionais. Os motoristas ficam com 80% do valor e o Uber com 20%. Caso o usuário selecione o UberX, mais econômico, cobra uma tarifa base de R$ 3, mais R$
0,35 por minuto de viagem e R$ 1,43 por km rodado. Ou seja, 30% mais em conta do que categoria máxima.
De acordo com análise do G1, taxistas têm isenção de IOF e IPI na compra de veículo e, no Rio e em São Paulo, também podem pedir isenção de ICMS e não pagam IPVA. Em São Paulo, também têm 30% de desconto nas concessionárias. Cooperativas e associações de táxi de São Paulo e taxistas autônomos do Rio são isentos de ISS.
Em São Paulo, um taxista paga cerca de R$ 255 em taxas anuais, e, no Rio, R$ 429. A cada 5 anos, precisam fazer exame médico e psicotécnico no Detran (SP R$ 320 / RJ R$ 139). Em São Paulo, também é exigido o Condutax, um cadastro que vale por 5 anos e custa R$ 415.
Mesmo ilegal, é comum o aluguel (em SP, entre R$ 150 e R$ 200/dia) ou a venda de licenças (no Rio pode custar até R$ 180 mil e, em São Paulo, R$ 150 mil). Em São Paulo, é exigido curso específico para se tornar taxista, que custa R$ 127,54.
Outro benefício do taxista autônomo é ficar com o valor integral da corrida. A corrida é fixada por tabela e calculada no taxímetro por km. São Paulo: R$ 2,75 / Rio: R$ 2,05, valores de táxi comum, bandeira 1. Se o passageiro decidir por retornar com o mesmo servidor, é cobrado 50% do valor da corrida. Já o Uber não cobra a mais quando o destino é em outro município. Porém, há valor de tarifa mínimo e taxa de cancelamento: UberX: R$ 8 / UberBlack: R$ 10.
Boom de flanelinhas
Com a participação do Corinthians na Copa Libertadores da América 2012, o loteamento e sitiamento por vagas de estacionamento aumentou.
Dados do Governo do Estado de São Paulo, de maio de 2011 a julho de 2012, afirmam que 516 pessoas foram presas. Uma, presa em flagrante seis vezes por ilegalidade, declarou desconhecer uma profissão informal capaz de render, aproximadamente, R$ 4 mil/mês.
Dos guardadores detidos, 194 tinham antecedentes criminais, sendo 58 por roubo, 43 por furto, 13 por tráfico de drogas, 10 por homicídio, 10 por receptação e 60 por outros crimes. Neste período, foram elaborados 410 Termos Circunstanciados.
Antes da Operação Flanelinha, 164 guardadores de veículos eram registrados em São Paulo. Após sete meses de operação, esse número subiu para mais de 700, segundo informações datadas de julho de 2013 pela SRTE/SP. Cerca de 1.100 registros foram deferidos. Ou seja, a procura por registro de guardador de carro cresceu, só nesse período, 670%.
Chofer público
Em julho de 2015, a Câmara Municipal de São Paulo abriu licitação para alugar frota de veículos novos para servir a cada um dos 55 vereadores paulistanos, além de cinco carros para a área administrativa, uma minivan e uma picape.
São veículos 0 km, cor prata, sedan, quatro portas, motor de 1.8, injeção eletrônica, direção hidráulica ou elétrica, ar-condicionado, freios ABS, vidros elétricos, retrovisores com controle elétrico e airbag duplo, entre outros itens.
Se o poder público dispõe de motoristas particulares, choferes, por quê a sociedade deve ser excluída de direitos igualitários? Dê pão e vinho ao povo. Como dirigir alcoolizado é crime, dê Uber e livre-arbítrio.