Um raro exemplar da memória ferroviária do Estado de São Paulo, foi queimado em Mairinque, em área operacional da Rumo Logística na noite do último sábado (07/12/2019).
Fabricado no ano de 1952 em Aço Carbono, ganhou a identificação original de A-302 pela extinta Estrada de Ferro Sorocabana, operando até 2010 com a identificação “QC-4551” sob a tutela da ALL – América Latina Logística/ Rumo Logística até o ano de 2010.
Após sua desativação, o carro de passageiros que de acordo com a Sorocabana – Movimento de Preservação Ferroviária possuía “inestimável valor histórico”, foi acomodado em uma das linhas mais distantes e isoladas do pátio de Mairinque, interior de São Paulo, à mercê da própria sorte.
Diferente dos trens de passageiros convencionais que percorriam a linha tronco e adjacências da Sorocabana, o exemplar contava com mesas e cadeiras em formato de sala de reuniões, além de outros dispositivos que ao contrário de outras partes do veículo, se mantiveram intactos após o incêndio, sendo: Camas, cabines, cozinha, maçanetas de porta, lustres, puxadores de janelas, cortinas, acionadores de ventilação, lavatórios, janelas e afrescos em marcenaria, ao qual já estavam sendo valorados inclusive, como bens históricos pelo Condephaat – Conselho Estadual de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico do Estado de São Paulo.
O carro estava em tratativas para ser transportado de Mairinque até o pátio da Estação Dr. Paula Souza (Sorocaba/SP) na sede do Movimento, desde 2015, envolvendo a Rumo Logística (responsável pelo pátio e transporte) e o proprietário do bem, o DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, tendo a celeridade do processo prejudicada por problemas patrimoniais que envolvem o trem em questão.
A Associação que funciona desde 2014, trabalha na recuperação e restauração de bens ferroviários. Atualmente, opera o Trem de Natal entre Sorocaba e Votorantim, no leito ferroviário da antiga EFEV – Estrada de Ferro Elétrica Votorantim, tracionado por uma locomotiva fabricada em 1891 pela Baldwin Locomotive Works e um carro Budd Série 500, resgatado em Bauru no ano de 2017 e restaurado pelo Movimento desde então, além de projetos culturais como o “Cine-Vagão”, que leva clássicos do cinema para a população de Votorantim semanalmente.
Em nota, a Sorocabana – Movimento de Preservação Ferroviária informa: “Lamentamos que a concessionária Rumo, além de desviar o veículo para uma linha abandonada da Oficina de Mairinque — que encontra-se desativada e cuja vigilância deficiente coloca em risco a integridade de todo aquele complexo edificado –, tenha obstado qualquer movimentação do veículo com o intuito de impedir a ocorrência de uma tragédia anunciada como essa, ignorando repetidos alertas desta associação desde o final de 2018, os quais estão comprovados por e-mails. Ao mesmo tempo, não se responsabilizou pela segurança do veículo dentro de sua área operacional.
Entendemos que uma tragédia anunciada como esta sinceramente coloca em xeque, de nossa parte, a relevância da preservação da memória ferroviária para a sociedade em geral, bem como a seletividade dos apoios às ações que cercam este tema no País. As luzes dos Trens Iluminados de Natal deram lugar às cinzas que choramos desde sábado.
Já a Rumo Logística informou para o Portal de Notícias G1 que “o vagão de passageiros é de propriedade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e não é arrendado para a concessionária”. Informando também que “o vagão estava devidamente estacionado no pátio ferroviário de Mairinque e que a solicitação de transferência para outro local foi encaminhada ao DNIT, mas não houve resposta”. Por fim, a Rumo Logística afirma também que “mantém vigilantes que realizam rondas periódicas, mas que é importante ressaltar que as equipes não têm poder de polícia.”
A Rumo Logística registrou boletim de ocorrência e está contribuindo com as investigações, comunicando inclusive ao DNIT sobre o fato.
A Sorocabana informou que ingressará na Justiça com Ação Civil Pública para apuração de danos e responsabilidades, tendo em vista o prejuízo de um bem valorosamente histórico e que havia sido solicitado para ser guardado, protegido e restaurado sob sua tutela desde 2015.