Comparada a milhões de moradores da região metropolitana de São Paulo, que moram a dezenas de quilômetros dos locais de trabalho, Maria é uma privilegiada. Ela vive entre Higienópolis e Santa Cecília, a cerca de 500 metros da estação Marechal Deodoro, da Linha 3-Vermelha. O local de emprego também é muito bem localizado: fica a aproximadamente 300 metros da estação Trianon-Masp, da Linha 2-Verde.
Além da opção metroviária, Maria tem uma boa oferta de linhas de ônibus para cumprir o trajeto diário. Com uma caminhada de poucos metros, ela poderia ir até as avenidas Pacaembu, Angélica ou São João, ou ainda ao Terminal Santa Cecília, e descer em um ponto na Avenida Paulista.
Apesar de toda a oferta, Maria ainda prefere o carro. Por isso, além de entrevistá-la, quero convencer minha amiga a experimentar o transporte público por alguns dias.
O principal argumento da jovem paulistana é o principal coringa de quem opta pelo transporte individual: conforto. Maria diz que, apesar de enfrentar congestionamentos, não é obrigada a “ficar no aperto, sem ar-condicionado nem rádio”. Aponto que boa parte dos trens do metrô já contam com ar-condicionado, que ela pode ouvir música com fone no celular e que mesmo a frota de ônibus tem passado por melhorias (nesta semana, a cidade recebeu 20 coletivos com ar-condicionado e wi-fi gratuito, como informou o Via Trólebus: (Leia aqui). Ela se demonstra surpresa.
A próxima justificativa de Maria é a falta de confiança, no sistema e no público. “Meus amigos que usam metrô e ônibus dizem que dá muito problema, atrasa. Fora isso, tenho medo de ser assaltada, principalmente quando trabalho até tarde e volto para casa à noite”. Volto a ponderar com Maria: enfrentar as ruas de carro é tão ou mais demorado que de metrô ou ônibus, principalmente com a expansão das faixas exclusivas; assaltos ocorrem por toda a cidade e todo o país, mas o risco é muito maior, para uma mulher sozinha, dentro de um carro que num vagão de metrô ou em um ônibus. Ela resiste, mas reconhece que faz sentido.
Após mais algumas perguntas, Maria ainda resiste. Proponho então que ela veja o lado financeiro da coisa, e mostro algumas contas rápidas:
– Como a maioria, Maria trabalha de segunda a sexta-feira. Em um mês, irá ao trabalho cerca de vinte vezes, talvez um pouco mais. Se optar pelo metrô ou ônibus, terá um gasto mensal aproximado de R$ 120 com transporte;
– Ao preferir o carro, Maria já gasta mais só com o estacionamento na região da Paulista, que cobra R$ 270 de mensalidade;
– Lembro que a conta é muito mais extensa: combustível, manutenção, seguro, IPVA, uma multinha aqui ou ali, além do chamado “preço de oportunidade”, que equivale à desvalorização do carro ano a ano.
Ao final, ainda muito ressabiada, Maria diz que topa o desafio. Vai usar o trasporte público por uma semana e avaliar. Singular, Maria tem argumentos que representam muita gente nas grandes cidades brasileiras. Sem entrar em uma estação de metrô há anos, talvez precisasse apenas de um estímulo e um pouco mais de informação para mudar. Pelo bem dela mesma e da cidade.
*Maria é um nome fictício. A entrevistada não quis se identificar, com medo do que chamou de “patrulha politicamente correta”.