Metrô SP

40 anos do Metrô: A história da Companhia do Metropolitano

No dia 14 de setembro de 2014 o Metrô de São Paulo completa 40 anos de sua primeira viagem. Nesta semana o Via Trolebus trará postagens especiais sobre um dos sistemas mais lotados do mundo, e que apesar das constantes falhas, possuí qualidade reconhecida internacionalmente.

Na primeira reportagem vamos reproduzir o texto de Eduardo Ganança, que conta os primeiro passos do projeto do Metrô paulistano:

O Metrô de São Paulo é hoje um grande símbolo da dita “modernidade” da metrópole. Essencial para o funcionamento da grande máquina dos deslocamentos diários, mais de dois milhões de passageiros são levados por dia por suas cinco linhas, conectadas ao sistema metropolitano (que engloba, além dos 74km de seus trilhos, mais de 200 outros quilômetros de trilhos da CPTM).

As ferrovias herdadas pela malha da atual CPTM datam da segunda metade do Século XIX, com acréscimos construídos até a seguda metade do XX. São vias tortuosas. Seguem velhos caminhos que levavam ao interior, ao litoral e a outros estados.

No caso do Metrô, sua malha foi construída do zero, a partir de 1968, e já com o propósito de servir à operação de trens metropolitanos.

Contudo, a data de 1968 é bastante tardia na história dos projetos para o Metropolitano. Já se cogitavam serviços comparáveis ao de um “metrô” desde fins do Século XIX – quando ainda se cogitavam apenas serviços rápidos de bonde para uma cidade com menos de um décimo da população de hoje.

O primeiro projeto que se tem registro data de 1888, apenas 21 anos após a inauguração da primeira ferrovia de São Paulo (a São Paulo Railway, conhecida por Ingleza). Consistia numa linha elevada de bondes entre o Largo do Rosário e o Largo do Paiçandu – numa ligação inédita entre os dois lados do Vale do Anhangabaú, cuja transposição, até então, era bastante custosa.

Os veículos em questão, segundo o que se pode observar nos desenhos, andariam apoiados sobre uma única viga de aço central, num sistema de apoios bastante semelhante ao monotrilho Alweg – adotado na Linha 15 (Prata) em construção na Zona Leste e na Linha 17 (Ouro), na Zona Sul.

Tendo sido idealizada pelo engenheiro alemão Alberto Kuhlmann, é possível que essa linha seja uma variante do projeto pioneiro de monotrilhos no mundo, o de Wuppertal, que entrou em operação nove anos depois da proposta de Kuhlmann para São Paulo.

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A companhia canadense The São Paulo Trainway, Light and Power Company, entre a primeira e a segunda décadas do Século XX, inicia a operação de bondes elétricos. Em 1925, após várias expansões e melhorias no sistema, veio a constatação do Engenheiro Norman Wilson, de que a cidade precisava de um sistema de transporte mais rápido e de maior capacidade.

Dois anos mais tarde, foi publicado o plano da Light. Bastante modesto para os padrões atuais, mas que visava atender a uma cidade também bastante modesta em relação à de hoje. De acordo com o plano, o espalhamento da mancha urbana em todas as direções, de forma mais ou menos circular, fazia com que as distâncias percorridas entre o centro e os bairros fosse curta, à exceção das vilas mais afastadas, que tinham cada uma sua própria mancha urbana. Por conta disso, um sistema de transporte rápido seria justificável, de acordo com a Light, apenas depois que a cidade atingisse dois milhões de habitantes.

Porém, logo em seguida há uma ressalva: dado que as vias arteriais da cidade eram exíguas e tortuosas e era inviável seu alargamento, a Light recomenda que exista um sistema de transporte rápido elevado ou subterrâneo na região central antes que a população atingisse a marca de oitocentos mil habitantes.

A proposta final da Light pouco difere do que disse Norman Wilson dois anos antes. Havia quatro diretrizes principais: Norte, seguindo em elevado a então Tramway da Cantareira; Leste, seguindo em nível a sul da Estrada de Ferro Central do Brasil, cortando a Mooca e o Belenzinho, seguindo depois a norte para alcançar a Penha; Sul, acompanhando em trincheira a “Avenida Anhangabaú”, passando pelo então projetado “Túnel Trianon”, sob a Avenida Paulista e seguindo até o Jardim América; e por fim Oeste, seguindo subterrâneo a Avenida São João até a Avenida Pacaembu, apenas citada como extensão futura, de baixa prioridade e a ser melhor definida futuramente.

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Em meio à crise do café, às revoltas e às profundas transformações políticas que se sucederam na primeira metade da década de 30, diferentes planos para o transporte rápido eram traçados em São Paulo. Melhorias viárias que previam facilitar sua construção chegaram a ocorrer na cidade, porém, mais uma vez, ela não chegou a ocorrer.

Em 1929, não concretizado o projeto da Light, o Prefeito Pires do Rio encomenda o Plano de Avenidas, que também englobava um projeto de sistema rápido sobre trilhos, praticamente uma revisão dos planos anteriores, que os adaptava ao PdA. Porém, mais do que isso, propunha ao transporte rápido a função de substituir parte dos serviços de subúrbio das ferrovias.

Dentre as novidades, havia a diretriz sudeste, com planos de uma linha elevada sobre o Tamanduateí, seguindo até o Ipiranga e futuramente ao ABC,em substituição ao serviço de subúrbio da São Paulo Railway. Além disso, dialogava com os planos da EFCB de deslocar sua via férrea para norte, junto ao Tietê, a partir da Penha (o que anos mais tarde materializou-se como a Variante de Poá, parte da atual Linha 12 da CPTM) – dessa forma, o serviço metropolitano substituiria todo o serviço de subúrbios na “linha velha” da EFCB.

Ainda eram previstos ramais (ou “esgalhamentos”, na terminologia da época) das linhas norte (diretriz cantareira) e sudeste (diretriz Jardim América). No caso da primeira, os ramais seguiriam ao longo do Tietê. No caso da segunda, era prevista uma expansão até a margem do Rio Pinheiros, às margens do qual haveria um ramal a norte até Pinheiros (e depois Osasco) e a sul para Santo Amaro. Anos mais tarde a Estrada de Ferro Sorocabana viria a aproveitar essa última diretriz para o traçado de sua nova linha ao longo do Pinheiros, construída principalmente para ligar a capital à linha Mairinque-Santos, mas que também recebeu um serviço de subúrbios em seu caminho (que evoluiu para a atual Linha 9 da CPTM).

Ainda em 1929, eclodiu a célebre crise financeira mundial, golpe duro na economia paulista, baseada na cafeicultura – e seguiram-se as revoluções de 1930 e 1932. E os investimentos massivos em infraestrutura na cidade só voltaram a ocorrer na primeira gestão de Prestes Maia, iniciada em 1938.

Até 1945, Prestes Maia investiu pesadamente na construção de novas avenidas, principalmente da chamada Primeira Perimetral. Essa avenida engloba os atuais Avenida Ipiranga, Avenida São Luís, Viaduto 9 de Julho, Viaduto Jacareí, Rua Maria Paula, Viaduto Da. Paulina, Praça João Mendes, Rua Anita Garibaldi, Rua Rangel Pestana, Rua da Figueira, Avenida Mercúrio e Avenida Senador Queirós – configurando um anel completo em torno do centro da cidade.

Mais concretamente, os viadutos 9 de Julho, Jacareí e Da. Paulina foram construídos já com tabuleiro duplo, prontos a abrigar quatro vias em seu nível inferior:

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Reconstituição do Plano Mário Leão

Em 1948, a Cia. Geral de Engenharia apresentou o mais completo projeto até então, introduzindo as diretrizes “definitivas” que viriam a ser seguidas pelos planos posteriores, sendo o primeiro plano a prever três linhas diametrais básicas: Norte-Sul, Leste-Oeste e Sudoeste-Sudeste. No caso, as linhas Leste-Oeste e Sudoeste-Sudeste formariam dois meios-anéis complementares ao redor da região central.

Sinteticamente, os traçados eram: diretriz Cantareira-Anhangabaú-Itororó para a Norte-Sul, diretriz Rebouças-Consolação-Ipiranga-Luz-Tamanduateí para a Sudoeste-Sudeste e EFCB-Várzea do Carmo-Primeira Perimetral-Rua das Palmeiras-Av. São João para a Leste-Oeste.

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Reconstituição aproximada do Plano da Cia. Geral de Engenharia, utilizando a identidade cromática das linhas atuais que se utilizaram das mesmas diretrizes das desse plano.

Esse projeto tinha tom bastante alarmista, chegando a dizer que “São Paulo chegou ao seu ponto de saturação” e que “é difícil conceber São Paulo com 3 milhões de habitantes sem seu sistema de transportes rápidos”.

Prestes Maia volta a ser peça-chave no planejamento do futuro metrô de São Paulo em 1956 e em 1961, quando volta a ser prefeito.

Em 1956 – após o abandono dos planos das décadas anteriores – foi formada pelo Prefeito Toledo Piza a Comissão do Metropolitano, encabeçada pelo ex-prefeito Prestes Maia, que chegou a apresentar o Anteprojeto de um Sistema de Transporte Rápido, muito mais completo e abrangente que qualquer outro até então apresentado, comparável somente ao plano de Pires do Rio, contemplando não só as diretrizes centrais, mas também substituindo os serviços de subúrbios na EFCB até Vila Matilde e na Santos-Jundiaí (ex-SPR) até Ipiranga (e depois ao ABC, via canal do Tamanduateí).

Figura1

Apresentou também uma série de intervenções viárias, várias das quais foram implantadas por Prestes Maia quando voltou a ser prefeito, em 1961. Algumas delas contemplavam a implantação do projeto de 56 para o metrô, como a Avenida Itororó com largo canteiro central e viadutos transversais com estrutura para receber estações (como o Viaduto Pedroso).

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Apesar de ter aberto espaço para a construção das linhas de metrô Leste-Oeste e Norte-Sul de seu plano, que aproveitariam tanto suas obras anteriores ao anteprojeto (viadutos da Primeira Perimetral) quanto posteriores a ele (Avenida Itororó e Viaduto Pedroso), Prestes Maia encerrou seu mandato em abril de 1965 sem ter iniciado a construção efetiva de nenhuma das linhas – e veio a falecer no mesmo mês.

Seu sucessor, Faria Lima, encomendou ao consórcio internacional HMD (formado pelas companhias Hochtief, Montreal e Deconsult) um estudo definitivo que guiaria a construção do Metropolitano – e que foi o primeiro projeto a ser levado a cabo até o fim.

Após a quase-construção do metrô por Prestes Maia em seu segundo mandato (1961-1965), seguindo as diretrizes de seu anteprojeto de 1956, seu sucessor, Faria Lima, encomenda um novo estudo. Tal estudo foi realizado pelo consórcio HMD (composto pelas empresas Hochtief, Montreal e Deconsult) e apresentado em 1968.

Ele seguia basicamente as mesmas diretrizes estipuladas no plano da Cia. de Engenharia, descartando a utilização da etrutura deixada por Prestes Maia, bem como as diretrizes mais ousadas do plano, que sobrepunham o serviço às linhas de subúrbio e alcançavam regiões mais distantes da cidade.

Em contrapartida, a rede proposta no plano HMD era fechada e bem consolidada, atendendo às regiões mais próximas do centro e mais congestionadas, em detrimento a atender regiões mais distantes.

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inalmente, ainda em 1968, deu-se o início das obras da Linha Norte-Sul, construída quase toda de uma vez, de Jabaquara a Santana, rasgando de fora a fora a cidade numa empreitada sem precedentes, ocasionando interdições e desvios no tráfego da cidade toda. A linha começou a ser inaugurada em 1972, sendo entregue até Santana em 1975 (exceto a Estação Sé, aberta somente junto com o que viria a ser a linha Leste-Oeste).

Com a construção desta linha, as estações que, segundo o projeto, teriam integração com outras, já foram preparadas para tal. A Estação Luz foi desenhada com plataformas centrais e laterais, tal qual a Sé, e a Estação Paraíso foi preparada para receber mais duas linhas: o Ramal Paulista (atual Linha 2) e o Ramal Moema, cuja construção jamais foi posta adiante.

Sobre o autor do post

Eduardo Ganança

Graduando em Arquitetura e Urbanismo na FAUUSP e pesquisador de Tecnologia em Cartografia Histórica no Laboratório de Topografia e Geodésia da Escola Politécnica da USP.

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