A discussão sobre a adesão crescente de brasileiros em geral (e paulistanos em particular) às bicicletas como meio de transporte ganhou força nos últimos meses, principalmente por causa da nova política municipal voltada ao assunto. Com novos trechos de ciclovias e ciclofaixas sendo inaugurados semanalmente na cidade, população e especialistas discutem o que mais falta para que São Paulo entre na lista de cidades relevantes mundialmente quando se fala no uso de bicicletas.
Sobre o tema, o Via Trolebus ouviu o fotógrafo e consultor em mobilidade urbana Daniel Guth, de 30 anos. Ciclista desde a infância, Guth é diretor da Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo) ONG que atua na promoção do ciclismo na capital junto aos governos das três esferas, além de incentivar a cultura da bicicleta e realizar pesquisas sobre o assunto. Em 2009, ele coordenou a implantação das ciclofaixas de lazer na cidade.
Estrutura maior e melhor, cultura e respeito por parte de motoristas, ciclistas e pedestres, integração a outros modais. Essas são algumas das principais mudanças necessárias apontadas por quem usa ou defende o uso das bikes. Mas Guth lembra de outro fator fundamental: preço competitivo.
Como ocorre com diversos outros produtos vendidos no país, a incidência de impostos sobre as bicicletas nacionais é estratosférica e torna o veículo inacessível para grande parte da população. Enquanto a produção e venda de carros recebe sucessivos incentivos por parte do governo, a cadeia produtiva das bikes sofre com tributos inaceitáveis e desconhecidos de muita gente, como lembra Guth.
“O acesso é um dos principais gargalos para o desenvolvimento de uma cultura da bicicleta no Brasil. A cadeia produtiva de bicicleta, como um bem de consumo, não está ajustada ao bolso dos brasileiros. A tributação média sobre o custo de uma bicicleta, no Brasil, é de 72,3% (segundo estudo da consultoria Tendências). Este cenário é responsável, por exemplo, em manter 40% da produção nacional de bicicletas na informalidade. O que evidencia mais ainda o desconhecimento da União sobre o setor de bicicletas, pois um amplo processo de desoneração tributária representaria, ao mesmo tempo, um aumento imediato nas vendas, maior formalização e aumento de arrecadação em decorrência disto. Portanto só há ganhos. 40% daqueles que se utilizam da bicicleta como meio de transporte no Brasil têm renda familiar de até R$ 1.200, e são estes os brasileiros mais afetados pela alta tributação”.
A partir desses dados, o consultor em mobilidade afirma que uma nova política fiscal, aliada à ampliação da estrutura viária, teria o poder de aumentar significativamente o número de ciclistas no país, que já te destaque na produção mas ainda é tímido no ranking de bicicletas por habitante, quando comparado ao resto do mundo.
“Hoje o Brasil é o 3º maior produtor de bicicletas no mundo, perdendo apenas para a China e para a Índia. É o 5º maior consumidor de bicicletas no mundo, representando uma fatia de 4,4% do mercado internacional. No entanto, quando observamos o consumo per capita de bicicletas, caímos para a 22ª colocação, o que significa um mercado emergente e um potencial de crescimento enorme. Calcula-se que o Brasil tenha entre 50 e 70 milhões de bicicletas. Ou seja, há quase 75% de brasileiros sem bicicleta, que é um índice preocupante. E, apesar do mercado potencial, temos visto desde 2008 um encolhimento na produção e no consumo de bicicletas. E por quê? Mais uma vez pela questão tributária e pela ausência de uma política industrial em todo o território nacional”.
Morador da capital paulista, Daniel Guth se mostra feliz com as novas ciclovias na cidade, mas ressalta que é preciso acompanhar as iniciativas de perto e cobrar outras medidas, simultâneas à pintura e demarcação das ruas e avenidas.
“Junto com o ousado e correto plano dos 400km de ciclovias, há outras medidas igualmente importantes para que a cidade possa se apropriar e ampliar a participação da bicicleta nos deslocamentos da cidade. Entre elas destaco: intensificar a redução das velocidades nas vias, com novos limites, aumentar a fiscalização e medidas de acalmamento de tráfego; programas e campanhas de promoção ao uso, para ressaltar os aspectos positivos da mobilidade por bicicletas; adaptar pontes e viadutos para pedestres e ciclistas, diminuindo a segregação territorial, social e econômica que há na cidade; incentivar e regulamentar amplamente a instalação de bicicletários e paraciclos e de vagas para bicicletas nas garagens”.
Os argumentos de Daniel Guth são um forte contraponto aos do apresentador da Rádio Bandeirantes, José Paulo de Andrade. Há algumas semanas, o Via Trolebus reproduziu o comentário, no mínimo polêmico, em que Andrade criticava a ampliação das ciclovias em São Paulo. Para o apresentador, não existe demanda na cidade que justifique a iniciativa.
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