Na década passada, a maior capital brasileira viu uma explosão de projetos de um tipo de transporte que parecia ser do futuro, mas que já operava em poucos lugares há décadas: o monotrilho.
Só do Governo do Estado de São Paulo foram pelo menos seis projetos, sendo que apenas dois deles avançaram, e um atualmente opera: a Linha 15-Prata. Dos seis projetos previstos, dois foram descontinuados por mudanças no planejamento (Linhas 16 e 22), um foi elevado ao status de metrô — caso da Linha 21-Grafite —, um foi interrompido por questões políticas, como a Linha 18-Bronze, além da Linha 17-Ouro, que pode abrir as portas em 2026.
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Passados cerca de uma década e meia, a nova tendência em mobilidade é um chamado “trem sem trilhos”, também conhecido como bonde digital ou, para os mais céticos, o “ônibus gourmetizado”. O meio de transporte será testado na Região Metropolitana do Paraná a partir de novembro, e outras sete capitais já demonstraram interesse no projeto. São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, já possuem estudos ou declarações de gestores mencionando o novo sistema, que até o momento conta com apenas uma fabricante chinesa, responsável pela tecnologia denominada Autonomous Rail Rapid Transit (ART).
O principal argumento dos defensores do ART é o baixo custo de implantação, que, segundo o governo do Paraná, pode ser três vezes menor que o dos sistemas de VLT, além de um tempo de implementação reduzido, com estimativa de até um ano para vias de até 15 quilômetros e cerca de 15 veículos.
Mas, sob a ótica dos australianos, o barato pode sair caro. De acordo com um artigo publicado no país, o relatório da Associação Ferroviária Australasiana (ARA) revelou que, embora o potencial de custos mais baixos tenha despertado o interesse em bondes sem trilhos, vários sistemas no exterior foram desativados devido a dificuldades em manter um serviço confiável.
A então diretora executiva da ARA, Caroline Wilkie, afirmou que o estudo serve de alerta para quem considera adotar essa tecnologia na Austrália.
“A experiência internacional mostrou que, embora a tecnologia possa oferecer custos mais baixos no início, problemas na oferta de viagens confiáveis e confortáveis podem levar à aposentadoria dos bondes sem trilhos após um período relativamente curto de operação”, disse Wilkie.
Outra preocupação é a qualidade do pavimento, que, segundo outro artigo, pode ser comprometida pelo desgaste causado pelo alinhamento das rodas dos veículos. O reforço da via para evitar esses problemas pode ser tão trabalhoso quanto a instalação de trilhos em um sistema de trem leve.
Pesquisadores, em 2021, encontraram evidências de desgaste significativo das vias em sistemas com veículos elétricos sem trilhos, o que contraria a promessa de implantação rápida. O estudo técnico da Universidade Monash (Austrália) apontou que era necessário reforço substancial das estradas para sustentar a tecnologia.
A análise reconhece que o bonde digital pode ter um potencial significativo como alternativa de baixo custo aos sistemas de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Eles apresentam custos de construção e infraestrutura 67% a 84% menores que o VLT, pois podem utilizar vias existentes, sem a necessidade de trilhos.
No entanto, o pavimento pode ser um Calcanhar de Aquile:
“Entretanto, são veículos muito pesados, capazes de causar danos ao pavimento, o que sugere a necessidade de reforço das vias. O fabricante alega que podem operar em qualquer estrada sem tratamento especial e que podem ser instalados em poucos dias. Este estudo analisa os impactos dessa tecnologia no pavimento. Os autores constataram que os trens sem trilhos pesam entre 32 e 85 toneladas, o que os coloca entre os veículos mais pesados já utilizados em vias urbanas. Uma inspeção independente em locais onde o sistema opera revelou danos ao pavimento, contradizendo alegações de implantação “em um fim de semana”.”
Atualmente, três cidades chinesas contam com o sistema, além de Campeche, no México. Outras duas estão em fase de testes na China, enquanto dois novos sistemas estão em construção na Malásia e no México.
No caso da Austrália, o Governo de Nova Gales do Sul considerou o sistema como uma alternativa ao trem leve para uma linha que ligasse o Parque Olímpico de Sydney a Parramatta, mas acabou desistindo da ideia.
Já no caso do monotrilho, alguns fatores além da tecnologia oferecida acabaram ajudando na descontinuidade das novas linhas. Já sobre o ART, apesar do entusiasmo em torno do chamado “trem sem trilhos”, especialistas e experiências internacionais indicam que a tecnologia ainda enfrenta desafios técnicos e operacionais que precisam ser cuidadosamente avaliados antes de uma adoção em larga escala. Embora o baixo custo e a rápida implantação sejam atrativos para governos e gestores públicos, fatores como durabilidade do pavimento, confiabilidade do serviço e manutenção podem determinar o sucesso — ou o fracasso — desses sistemas no Brasil. O futuro do ART, portanto, dependerá da capacidade de equilibrar inovação com eficiência e sustentabilidade a longo prazo.
Renato Lobo – editor do portal Via Trolebus







