Por Luisa Feyo Peixoto Guimarães
É fato comprovado que a disseminação da Covid-19 afetou os padrões de deslocamento da população. Algumas cidades ao redor do mundo já começaram a se atentar aos impactos que essa fase de distanciamento social pode ter na gestão da mobilidade urbana e nos padrões de deslocamento da população a longo prazo. Algumas mudanças podem representar impactos negativos e outros podem representar oportunidades para melhorarmos a mobilidade na cidade. Dado que a volta à normalidade será de forma gradual, especialista apontam que, por meio da tecnologia e com o auxílio de plataformas digitais, poderemos facilitar a gestão dos deslocamentos urbanos e, principalmente, auxiliando a população a tomar decisões mais seguras e conscientes.
A atual situação fez com que o transporte coletivo sofresse altas quedas que variam de 70% a 80% do fluxo de passageiros, principalmente por serem pontos de aglomeração. No Brasil, as operações dos transportes coletivos estão em risco devido à falta de passageiros e subsídios. Além disso, existe uma insegurança relacionada ao futuro, já que muitas pessoas podem continuar evitando o uso do transporte coletivo por conta do novo coronavírus, mesmo após o término do isolamento. E essa mudança pode fazer com que as pessoas se voltem aos automóveis privados buscando o isolamento social, o que seria um retrocesso em termos de políticas de mobilidade mais sustentáveis, igualitárias, eficientes e seguras.
Por outro lado, a atual crise pode trazer novos horizontes para modais mais sustentáveis e individuais, como, por exemplo, as bicicletas. Em algumas cidades, as pessoas que ainda precisam se deslocar estão trocando o transporte coletivo pela bicicleta e, assim, evitando o contato social. Em Nova Iorque, o sistema de bicicletas compartilhado da cidade (Citybike) viu um aumento de 67% do número de viagens no mês de março.
As plataformas digitais baseadas na tecnologia MaaS (Mobility as a Service) facilitam o acesso e o pagamento a diversos tipos serviços de transporte – públicos e privados, como bicicletas, carros e patinetes compartilhados. Essas plataformas podem impactar positivamente no gerenciamento da mobilidade, dosando os níveis de aglomeração e o uso de modais individuais. Com o uso de inteligência e dados fornecidos pelas operadoras de transporte, essas plataformas possuem a capacidade de direcionar os fluxos para os diversos modos de transportes de modo integrado e inteligente, auxiliando na redução de aglomerações. Essas informações auxiliam o usuário em sua tomada de decisão, seja para aguardar outro coletivo ou para optar por uma alternativa, como bicicleta ou metrô. Tudo isso sem precisar recorrer ao uso do automóvel privado.
Oferecer e facilitar o acesso aos diversos serviços de transporte já é a aposta atual de várias cidades para reduzir a necessidade e atratividade do automóvel privado que, para a maioria das pessoas nas cidades, possui alto custo e alto nível de ociosidade. Em Helsinque, capital da Finlândia, onde uma plataforma desse tipo já é utilizada (Whim), foi identificado o potencial de viagens por modais compartilhados reduzirem em 38% as viagens por automóvel privado. Além disso, dados mostram que os usuários deste sistema utilizam mais o transporte coletivo do que a média geral da população.
Há, sim, oportunidades interessantes para a mobilidade, mas apenas a tecnologia não será suficiente. Políticas públicas de incentivo às soluções de mobilidade mais sustentáveis e seguras são importantes. Políticas de higienização e maior controle das frotas de transporte público podem trazer melhorias para a operação de transporte coletivo em geral. Neste momento, é preciso pensar em investimentos em monitoramento e coleta de informações em tempo real, para que essa gestão da mobilidade funcione de modo eficiente.
Em um momento de incerteza e mudança de cenário, os esforços de governos e empresas de mobilidade devem estar alinhados e olhando para um mesmo objetivo, por isso, a construção de políticas de mobilidade de forma inclusiva é tão relevante. Assim, poderemos minimizar os impactos negativos e potencializar as oportunidades dessa crise global para a mobilidade urbana.
* Luisa Feyo Guimarães Peixoto é Especialista em Relações Públicas da Quicko, startup de tecnologia em Big Data para Mobilidade Urbana