Mobilidade Urbana

A inovadora capital gaúcha precisa se renovar urbanisticamente

Famosa por inovações, a capital gaúcha precisa se renovar para se tornar mais competitiva urbanisticamente.

Capital do estado mais meridional do Brasil, Porto Alegre é o décimo município mais populoso da nação, com 1,4 milhão de habitantes. Porém, abrigando 4,2 milhões em sua região metropolitana, sobe para a quarta posição das maiores concentrações urbanas brasileiras, estando atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Sua importância econômica, política e cultural também se deve à posição geográfica muito estratégica, pois está bem próxima à outras metrópoles de grande importância para o continente, como Montevidéu e Buenos Aires – além de Rosário, Córdoba e Santiago. A cidade é reconhecida por sua elevada qualidade de vida e bons índices sociais, como
alfabetização e infraestrutura, superiores à outras capitais brasileiras.

A chegada pelo Aeroporto Internacional Salgado é um tanto inusitada e avistamos um problema. Grandes condomínios horizontais de alto padrão contrastam com bairros, aparentemente de origem irregular, com ruas de terra e favelas. Saindo do aeroporto, vemos uma inovação de tecnologia brasileira: o aeromóvel. Este pequeno bonde que parecem levitar sobre os trilhos, faz a conexão do aeroporto com a rede metroviária da cidade, pela Estação Aeroporto da Trensurb. São cerca de 800 metros de linha que transpõe um ambiente altamente rodoviário formado pela BR 116 e enormes viadutos. Apesar de ser uma pequena intervenção, demonstra a importância da retomada do transporte coletivo sobre trilhos para o deslocamento nas cidades e, principalmente, para o acesso aos aeroportos – atualmente, reféns do transporte rodoviário em sua maioria, no Brasil.

Aeromóvel (antigo) desativado no Centro | Foto: Lucas Chiconi
Aeromóvel (antigo) desativado no Centro | Foto: Lucas Chiconi

Em Canoas, cidade da região metropolitana, um ambiente altamente barulhento, poluído e caótico. As edificações voltadas para a grande via se apresentam em estado um tanto precário e, apesar de haverem muitos usos, não é um ambiente agradável para o tráfego de pedestres e ciclistas, por exemplo. Claro que estamos falando de uma rodovia, mas isso não tira o mérito e a importância de projetos de requalificação urbana do entorno dessa via; melhorando a ambiência e tornando a região mais atrativa para investimentos econômicos, por exemplo. Dividindo as pistas de ir e vir da rodovia, até um determinado ponto, está a linha do Trensurb, a qual conecta Porto Alegre à Novo Hamburgo, ao norte da metrópole, passando por Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul e São Leopoldo. Portanto, um imenso rasgo em todas essas cidades. Nesse caso, duas questões a serem analisadas. A primeira e negativa, essa imensa barreira que foi criada para essa população. São poucas transposições entre os lados e o ambiente da rodovia é bem desagradável para quem não está dentro dos trens ou do seu próprio carro. Por outro lado, é um sistema metroviário – de superfície – que beneficia os municípios de sua região metropolitana (mesmo que o município sede, Porto Alegre, não seja tão beneficiado).

De acordo com a empresa, são aproximadamente 218 mil usuários por dia, muito baixo diante da população total da metrópole. Além disso, essa linha tem esse percurso exatamente para desafogar a congestionada BR – 116, mas vemos que isso não foi suficiente para resolver essa questão.

Voltando para Porto Alegre, a Arena do Grêmio desponta em meio ao anoitecer com sua gigantesca e imponente cobertura. Uma edificação esportiva realmente bela, mas em um local nada amigável aos usuários, visto seu isolamento entre um bairro de caráter dormitório-industrial, Farrapos, já segregado pela BR – 116, e o Rio Jacuí. Por abrigar um equipamento de tamanha relevância, o local deveria receber um tratamento urbanístico-paisagístico mais adequado, como a conexão da Estação Anchieta do Trensurb pela Rua José Pedro Boéssio. São questões, discussões e resoluções.

Skyline e Lago Guaíba | Foto: Lucas Chiconi
Skyline e Lago Guaíba | Foto: Lucas Chiconi

A pauta da análise precisa estar sempre presente para se chegar às conclusões e possíveis soluções. Após isso, ainda seguindo por ambiente rodoviário, estamos a caminho do Estádio Beira-Rio, do Internacional , na Zona Sul de Porto Alegre. Passando pelo Centro, vemos um skyline forte, marcado por grandes edificações e de uma apresentação
sólida. Seria um lugar a ser desbravado em outro dia. Chegando ao Beira-Rio, destaque para inserção urbana: de frente para a orla do Lago Guaíba, de gabarito (altura da edificação) coerente com o bairro em que está inserido, além de possuir um parque logo ao lado. A avenida à frente é fechada aos domingos para lazer, o que enobrece ainda
mais a localização do estádio.

Falando no Guaíba, um imenso lago que proporciona água, umidade, navegação e sublime beleza à capital gaúcha, sua orla irá receber obras de requalificação, devolvendo esse espaço público por direito aos cidadãos porto-alegrenses. A orla de uma cidade, seja fluvial ou litorânea, é a cara do meio urbano para natureza que sustenta essa urbanização. Ela não pode ser rejeitada, não apenas por uma questão moral, mas sim pelo próprio desenvolvimento do espaço urbano. Quando falamos em espaços públicos e áreas livres nas cidades, falamos também da orla de rios, lagos e do mar, pois são ambientes naturais que qualificam a ambiência do urbano, podendo ser utilizados a favor da vida urbano e não contra. A retomada dessa orla é um ponto muito positivo para Porto Alegre e deve ser muito destacado e também criticado pela população, que deve garantir que seu uso seja de caráter público.

Fundação Iberê Camargo e ciclovia da orla do Guaíba | Foto: Lucas Chiconi
Fundação Iberê Camargo e ciclovia da orla do Guaíba | Foto: Lucas Chiconi

Novas ciclovias já estão sendo implantadas na região da orla, aumentando a conexão cicloviária da Zona Sul com o Centro. É nesse trecho, na altura do bairro de Santa Teresa, que está o equipamento cultural mais famoso da cidade, a Fundação Iberê Camargo, do prestigiado arquiteto português, Álvaro Siza. Um sistema de transporte hidroviário faz a conexão entre Porto Alegre o município de Guaíba, no lado oeste do lago. Possui três locais de embarque e desembarque: Cais Mauá, no Centro de Porto Alegre e integrado à estação Mercado do Trensurb, Barra Shopping Sul, na Zona Sul, e no Centro de Guaíba.

Além de transporte, também é utilizado para turismo. As embarcações podem chegar a 45 km/h e realizam a travessia em aproximadamente 30 minutos. É de imenso prestígio ver que as águas já são utilizadas para a mobilidade urbana nessa metrópole.

Corredor de ônibus na Avenida Protásio Alves | Foto: Lucas Chiconi
Corredor de ônibus na Avenida Protásio Alves | Foto: Lucas Chiconi

Dentre todos os meios de transporte vistos na metrópole, podemos afirmar que o mais presente e também de maior eficiência, são os muitos corredores de ônibus que estão presentes na maioria das principais avenidas da região central e entorno. Estes conectam muitos bairros ao Centro, passando por novas centralidades, como a Avenida Carlos Gomes, por exemplo. Para a Copa do Mundo de 2014, ficou a promessa de substituir a estrutura das paradas dos ônibus, criando coberturas mais contemporâneas e que, de fato, protejam os usuários do sistema. Infelizmente isso ainda não ocorreu, mas não podemos deixar de evidenciar a implantação desses corredores em eixos de grande importância.

Algo que também merece destaque é a integração do Parque Farroupilha (ou Redenção), o principal da cidade, com seu entorno, fazendo a conexão entre Bonfim e Cidade Baixa, consagrando a diversidade cultural dessa região, sendo a mais interessante e abusivamente utilizada pelas pessoas na metrópole gaúcha. A abertura do parque para a cidade, aliado aos diversos usos boêmios, culturais, institucionais e comerciais da região, a qual abriga boas calçadas e ampla arborização urbana, formam uma ambiência muito agradável e humana nessa parte da cidade.

Parque da Redenção (Farroupilha) | Foto: Lucas Chiconi
Parque da Redenção (Farroupilha) | Foto: Lucas Chiconi

Um grande problema urbanístico de Porto Alegre, que afeta outras tantas metrópoles no mundo, mas que dentre as maiores do país…O espraiamento urbano, como denominamos no meio técnico, o crescimento horizontal e de baixa densidade das cidades. Sua área urbana se expande muito aos horizontes e segue em formato quase “linear” ao norte, quando atinge Novo Hamburgo, e a verticalização, de fato, está concentrada apenas na área central de Porto Alegre.

A Zona Sul da cidade é sempre muito citada nesse tipo de discussão, pois é formada por bairros, em maioria, residenciais, como Ipanema, com densidade demográfica muito baixa. Quando a área urbanizada se expande dessa forma, é comprovado que os gastos no orçamento público são maiores, visto a expansão de todas as redes de infraestrutura, com destaque para os transportes.

Viaduto da Borges | Foto: Lucas Chiconi
Viaduto da Borges | Foto: Lucas Chiconi

Além disso, um outro ponto amplamente abordado por especialistas do mundo todo é a resolução da cidade compacta em contraponto à cidade dispersa. Em outras palavras, uma cidade como Barcelona, na Espanha, contrapondo a dispersão suburbana de Atlanta, nos Estados Unidos. Ou mesmo entre bairros, como por exemplo, o Bonfim e Ipanema, em Porto Alegre; Bela Vista e Morumbi, em São Paulo; ou Copacabana e Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Por um lado, todos que queiram a tranquilidade de um bairro onde vivem “poucas” pessoas, tem esse “direito”. Assim como aqueles que optam por viver em áreas mais centrais e com maior qualificação de espaços públicos, infraestrutura e variedade comercial e, portanto, um certo agito, também tem o mesmo “direito”.

Porém, como equilibrar esses ambientes morfologicamente tão extremos em nossas cidades? Destaco essa problemática aqui devido a esse tipo de expansão que vem ocorrendo em Porto Alegre através de condomínios verticais e horizontais de baixa densidade. A região do Parque Germânia, não muito distante da área central, está completamente segregada com nada menos que três shoppings centers, vizinhos uns aos outros, e grandes condomínios de médio e alto padrão que não possuem nenhuma conexão com os espaços públicos. Pelo contrário, o segregam e não possuem qualidade urbanística. É algo que os órgãos públicos responsáveis precisam, com urgência, fazer uma revisão e pensar em boas soluções para o real adensamento da metrópole aliado aos sistemas de transporte coletivo.

Centro Administrativo Fernando Ferrari | Foto: Lucas Chiconi
Centro Administrativo Fernando Ferrari | Foto: Lucas Chiconi

As cidades são organismos vivos que se transformam com o tempo. Profissionais das mais diversas áreas, com ênfase nos Arquitetos e Urbanistas, precisam discutir e projetar novas formas de cidades. Porto Alegre é um laboratório
interessante, onde inovações são abordadas, mas erros graves continuam sendo praticados. A questão ambiental, da mobilidade urbana, da concentração, da dispersão, da riqueza e da pobreza estão sempre presentes. O Centro de Porto Alegre se põe como um imenso patrimônio a ser preservado e utilizado. Seus grandes edifícios, como o Santa Cruz, ainda o maior arranha-céu da metrópole, destacam a densidade construtiva e exalam o poder econômico do oitavo maior PIB municipal do país, com 57 bilhões de reais.

Catedral Metropolitana de Porto Alegre | Foto: Lucas Chiconi
Catedral Metropolitana de Porto Alegre | Foto: Lucas Chiconi

Porém, a grande inovação do aeromóvel que comento no início desse texto, lá no Aeroporto Internacional, no Centro há um idêntico. Aliás, foi concebido primeiro e havia a intenção que essa linha contornasse todo o Centro Histórico de Porto Alegre. Porém, isso não ocorreu e o pouco que foi construído da linha está abandonado, inclusive com um modelo do trem estacionado. Pode ser observado do centro cultural implantado na imponente Usina do Gasômetro, um dos símbolos mais expressivos da cidade.

Centro Cultural da Usina do Gasômetro | Foto: Lucas Chiconi
Centro Cultural da Usina do Gasômetro | Foto: Lucas Chiconi

 

É uma cidade fascinante por sua arquitetura, gastronomia, pelo horizonte do Guaíba, por seus erros e acertos. Mas para se tornar novamente um polo de atrações, a nível de sua própria importância econômica e cultural, a metrópole precisa voltar a inovar e trazer a discussão urbana à tona, incluindo o poder público, o capital privado e toda a população para fazer as escolhas certas para o futuro dessa grande cidade.

Sobre o autor do post

Lucas Chiconi

Paulistano, estudante de Arquitetura e Urbanismo e Fotógrafo especializado em paisagens urbanas.

Via Trolebus