Imagens: Lucas Chiconi – Diurbe São Paulo
Algo que sempre digo em relação às diferenças sociais: Quando a riqueza se exalta numa determina localidade, podemos notar que, como um câncer, a pobreza irá se exaltar logo ao lado. Atualmente isso é muito claro nas grandes cidades. Em São Paulo, o sudoeste da metrópole é marcado por um cenário complexo, composto pelo distrito de mais alta renda per capita da cidade, o Morumbi, com condomínios, residências unifamiliares e edifícios de apartamentos, todos de altíssimo padrão; avenidas imensas que privilegiam os carros, incluindo a Marginal Pinheiros; pequenas, médias e, a maior favela paulistana: Paraisópolis. Apesar de vizinha ao Morumbi, esta pertence oficialmente ao distrito de Vila Andrade, o mais desigual dos paulistanos. Parece algo inimaginável ou até mesmo surreal, mas não. A desigualdade que assola o Brasil é bem marcada nesta que é a região com a maior disparidade sócio econômica do município de São Paulo. Antiga região de chácaras derivadas da Fazenda Morumbi, a qual tinha por finalidade o cultivo de chá, o distrito do Morumbi teve sua urbanização iniciada em 1948 pelo engenheiro Oscar Americano, adquirindo grandes glebas e loteando o futuro distrito. A arquiteta ítalo-brasileira, Lina Bo Bardi, foi uma das primeiras moradoras, em 1950.
O distrito do Morumbi propriamente dito, abriga poucas favelas, como o Jardim Panorama e o Jardim Colombo. Porém, o distrito vizinho de Vila Andrade é o rei da desigualdade, abrigando o ostentado Panamby – Jardim Sul, junto ao Parque Burle Marx, e a favela de Paraisópolis. Um cenário marcado pela densidade da maior favela paulistana em contraste com o skyline dos edifícios milionários da Avenida Giovanni Gronchi. Diante deste paradigma, onde estão os espaços públicos e a mobilidade para o pedestre e ciclistas desta região da cidade?
Fiz um trajeto de aproximadamente 4,5 km em alguns pontos importantes do bairro, onde o contraste entre natureza e poluição, pobreza e ostentação, pedestres versos carros é bem marcado. Saindo da Estação Giovanni Grochi da Linha 5 – Lilás do Metrô, nos deparamos com uma avenida de intenso movimento rodoviário, junto a um terminal de ônibus e alguns comércios e serviços. A poluição do ar é intensa e notamos a aridez deste espaço, com uma ausência de arborização. Ao invés de pegar um ônibus, decido caminhar até o Parque Burle Marx, muito conhecido por ser obra do famoso paisagista que dá nome ao local. No trajeto é necessário passar pela Favela Peinha, muito representativa à ocupar uma encosta íngreme de frente para a Marginal do Rio Pinheiros. As calçadas, quando existem, são esburacadas, irregulares ou estreitas demais. Crianças se arriscam a empinar pipa num ponto alto da rua, com vista para a Marginal, o que poderia ser um espaço de lazer e contemplação mais adequado e seguro para esses moradores. Adiante, uma academia ao ar livre. Já remeto à última vez que passei pela favela há alguns anos e reparo que muitas casas se desenvolveram e agora possuem esta academia, proporcionando uma melhor ocupação daquele espaço. Porém, as calçadas continuam a desejar e obrigando pedestres a se arriscarem na sua via principal que dá acesso ao metrô, ou seja, de intenso movimento de veículos.
Logo a frente vemos as obras de uma nova ponte sobre o Rio Pinheiros. Ao subir para o Panamby, notamos que as poucas pessoas que circulam pelas ruas são em grande maioria, funcionários dos condomínios do bairro e tem o mesmo objetivo: os pontos de ônibus. No trajeto completo, se haviam 02 abrigos de ônibus cobertos – como o nome já diz: abrigo – foi muito. Muitas linhas de micro-ônibus levam à Paraisópolis, onde muitos destes funcionários vivem. O Parque Burle Marx, que deveria ter seu trajeto muito desenvolvido aos pedestres, possui uma entrada tímida em uma via de acesso à Marginal Pinheiros e que adentra ao bairro do Panamby. Apenas carros e mais carros circulam pelo local. Durante o dia podemos dizer que até é normal ou possível caminhar – se for pedalar, seja cuidadoso, pois não há ciclovias neste lugar – mas à noite a sensação de insegurança é grande. É um dos bairros com mais remanescentes de Mata Atlântica, mas devido à ocupação desorganizada desta região, verticalizando através do lucro e não do planejamento, as calçadas existentes são apenas uma obrigação por lei e não um espaço de interesse de boa parte dos moradores, na intenção de que realmente não haja pessoas “de fora”, de outros bairros da cidade circulando por suas ruas, como se o “bairro”, até então público, fosse um grande condomínio. Edifícios dispersos, pouco comércio e serviços, ruas residências vazias e com imensas muralhas definem este famoso bairro da Zona Sul paulistana. A Rua José Ramon Urtiza, assim como a Avenida Giovanni Gronchi, abriga a maior parte do comércio e dos serviços da área, mas ainda assim, pouco expressivos se compararmos à bairros nobres mais centrais, como a Mooca, Tatuapé, Moema, Santana, Itaim Bibi ou Pinheiros. A ocupação da Vila Andrade pelo mercado imobiliário nos últimos anos, tornou o distrito numa opção mais “barata” aos milionários que se fixam em São Paulo. Enquanto “do outro lado do rio” (Santo Amaro e Itaim Bibi) os imóveis custam milhões, apartamentos do mesmo porte podem sair pela metade na Vila Andrade.
Porém, a falta de mobilidade urbana, visto as condições das suas calçadas, a ausência de ciclovias e de abrigos de ônibus, e até mesmo da prioridade ao transporte coletivo, tornam o local um tanto que “desqualificado” nesse ponto de vista. Onde há comércio, as calçadas são mais generosas e até boas em alguns imóveis, mas não são padronizadas, o que dificultaria a caminhada de uma criança ou um idoso, por exemplo. As faixas de pedestres são raramente respeitadas enquanto os motoristas passam em alta velocidade. Além do mais, muitas destas faixas estão em locais um tanto quanto desinteressantes para travessias, além de muitos cruzamentos serem extremamente largos. Muitas vias que se conectam a Rua José Ramon Urtiza, assim como as vias locais e mais “internas” do bairro, possuem um espaço asfáltico gigantesco, tornando qualquer caminhada em algo estressante e inseguro. E é este ponto que nos mostra que o problema é de cunho público e privado. De um lado, a intenção de moradores que querem privar o bairro, mas por outro, a falta de atitude da prefeitura em confrontar estes moradores para tornar o local mais urbanisticamente favorável e com infraestrutura. Também não podemos fazer com que os moradores do Panamby andem a pé se as calçadas não estão de acordo. E muito menos de bicicleta, já que não existem ciclovias.
A capilaridade é baixa, ou seja, muitas quadras são extensas, tornando o percurso exaustivo para uma caminhada diária ao trabalho, por exemplo. Esta região é uma imensa barreira entre a periferia sudoeste e o restante da cidade, obrigando um contingente populacional enorme, vindo do Campo Limpo, Capão Redondo, Taboão da Serra e Embu das Artes, a se espremer diariamente nas poucas vias que cortam a área, seja nos congestionamentos, no metrô ou nos ônibus lotados nos horários de pico.
Porém, é nesse momento que as favelas se tornam ambientes urbanos mais “desenvolvidos”, em alguns aspectos, do que estes bairros nobres isolados. Paraisópolis é praticamente uma cidade, e se classifica como o bairro paulistano onde os habitantes se deslocam menos para o trabalho. Abriga uma vasta rede de comércio e serviços locais, como Casas Bahia e agências bancárias, escolas, creches e equipamentos de saúde. As obras de reurbanização são intensas e impressionam pelas dimensões. Sim! Caminhar em Paraisópolis a noite pode ser mais seguro que circular pelas ruas do Panamby ou do Morumbi no mesmo horário. Na favela, o espaço público, a praça, é a rua. Este é o espaço de encontro, de circulação e até mesmo lazer, portanto existe movimento e uma sensação de segurança infinitamente superior às ruas vazias e “emuralhadas” das mansões e torres que estão nos arredores.
Um passo importante para o desenvolvimento da mobilidade local é o futuro Monotrilho da Linha 17 – Ouro, que irá ligar a Estação São Judas da Linha 1 – Azul e o Aeroporto de Congonhas ao Estádio do Morumbi, passando pelo Panamby e Paraisópolis. Contudo, é preciso de melhorias bem mais intensas do que um modal de transportes, que já é algo importante, mas que ainda não resolve o problema dos pedestres e ciclistas. O zoneamento, atualmente revisto e a espera de aprovação, talvez ajude na questão do que e como devem ser construídas as futuras edificações, visto que as existentes não contribuem para o desenvolvimento urbano da área. A fachada ativa (comércio e serviços no térreo dos edifícios), por exemplo, iria contribuir muito para a “caminhabilidade” e a sensação de segurança para os pedestres e ciclistas.
Sempre que esta região é pauta de discussão, digo: A Vila Andrade é um distrito que parece ser terra de ninguém, onde constroem edifícios imensos sem planejamento, sem preocupação, desmatando e segregando cada vez mais. As vítimas? Os mais pobres que ali vivem, espremidos nas densas favelas do entorno. Estes, não tem para onde correr, pois estão próximos a seus empregos, mas também correm riscos de serem expulsos pela elite que lá está e também quer permanecer. O Parque Burle Marx, muito charmoso com a construção do hotel que abrigaria num passado recente, se tornou o jardim dos edifícios que o circundam. É comum os olhares “diferenciados” para a população mais humilde ou que aparece lá com vestimentas mais simples. Isso demonstra a “privatização” de um dos espaços públicos mais dignos, assim dizendo, deste distrito.
Quando o entendimento de ‘público’ se perde entre elementos físicos de segregação, barracos amontoados em baixadas, vias expressas que esmagam a razão do caminhar e varandas que se tornam quase que os únicos mirantes para a paisagem de um bairro tão bonito por natureza, percebemos que o fim desta discussão está longe de acontecer.