Mobilidade Urbana

Carro: você é o cigarro amanhã

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“Amanhã, vai ser outro dia / Amanhã, vai ser outro dia…”

Hoje é o Dia Mundial Sem Carro, dia de refletir sobre a importância da mobilidade urbana, da redução da poluição, da civilidade no trânsito. Não acompanhei o noticiário da manhã, mas tenho certeza que as principais avenidas das capitais brasileiras estiveram congestionadas como sempre.

Apesar disso, do incentivo desleal do governo à produção e à compra de automóveis, sou otimista e acredito que amanhã há de ser outro dia, como diz a música de Chico Buarque. Para justificar esse otimismo, escolho fazer um paralelo improvável, entre o consumo de carros e de cigarros.

Quem tem mais de 30 anos se lembra bem do glamour e do lobby que os cigarros tinham até pouco tempo atrás. Modelos jovens, lindos e lindas, tragavam e soltavam fumaça com muito charme. A propaganda era ostensiva, convincente, e uma certa marca, de logotipo vermelho e branco, era estampada até nos carros de Ayrton Senna nos bons tempos de McLaren.

A ditadura do cigarro parecia invencível, mas caiu com a conscientização da população. A propaganda foi restrita de várias formas e proibida na televisão; impostos sobre o cigarro aumentaram; finalmente em 2009, o Estado de São Paulo aprovou uma lei revolucionária, que proibia o fumo em locais fechados. Parecia apenas mais uma “Lei Pra Inglês Ver”, mas pegou e foi copiada em outros estados.

Hoje o status do cigarro é outro, completamente diferente: não é mais charmoso, é combatido por médicos, todos se lembram da morte sofrida do cowboy bonitão que fazia aquela propaganda, para aquela marca de logotipo vermelho e branco.

A discussão atual sobre a mobilidade, a conscientização da população e os diversos fóruns que abordam esse debate, como este querido Via Trolebus, me fazem crer que o carro é o cigarro de amanhã.

Aos poucos, o status do veículo individual também muda, apesar da propaganda ainda ostensiva. Assim como os cigarros, já sabemos que ele também faz mal à saúde. Não só pela poluição, mas pelas mortes que causa Brasil afora. Refletimos também no espaço que ele ocupa nas ruas e em quanta gente se desloca com esse mesmo espaço, em um vagão de trem ou dentro de um ônibus.

Quando compôs “Apesar de Você”, Chico Buarque fazia uma crítica refinada, implícita, subliminar e marota à ditadura militar, que também caiu. Deixo meu abraço a vocês com a letra e a reprodução da canção aqui embaixo, e pergunto: a letra não vale também para a Ditadura do Carro?

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“Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu

Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro

Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
Lá lá lá lá laiá”

Sobre o autor do post

Pedro Craveiro

Pedro Craveiro é jornalista, paulistano, aficionado pela cidade, por mobilidade e pelo transporte público.

Via Trolebus