Pela primeira vez um representante do MPL-SP (Movimento Passe Livre) concedeu entrevista sobre os recentes protestos contra o aumento da tarifa, que inclusive vêm ganhando força, alcançando mais de 12 mil pessoas no último ato.
Caio Martins, integrante do grupo, concede a entrevista ao repórter Bruno Paes Manso, do jornal O Estado de S. Paulo. Você confere os principais trechos da entrevista transcritos pelo Via Trolebus abaixo e, no final da matéria, o vídeo com a entrevista na íntegra.
Inicialmente, o repórter questiona Caio sobre a cena de violência que aconteceu no Terminal Parque Dom Pedro II, no terceiro ato contra o aumento, na última terça-feira (11/06). Caio explica a intenção dos manifestantes ao chegar no terminal e critica a cobertura que a mídia fez do fato.
Bruno Manso: Eu acompanhei ontem, eu tava presente na passeata. O começo foi um astral bom, no Parque Dom Pedro a situação começou a ficar um pouco mais pesada, houve tentativa de botar fogo em ônibus, houve tentativa de entrar no terminal, a PM tava numa situação acuada. Você percebe que havia essa situação crítica da Polícia Militar e que eles precisavam fazer alguma coisa?
Caio Martins: A manifestação queria entrar no terminal por um motivo simples. Nossa luta é por transporte, e o Terminal Parque Dom Pedro é o maior terminal de ônibus da América Latina. Tá lá um número imenso de passageiros que devem receber panfletos, é quem a gente quer que some na luta. No entanto, foi vetada a entrada no terminal.
Em muitos outros anos, quando [a passagem] subiu, teve protesto contra o aumento e os protestos entraram no Terminal Parque Dom Pedro, isso não foi um problema, esse ano a polícia preferiu atacar as pessoas do que deixar a manifestação seguir seu rumo.
Ela provavelmente seguiria pra ser terminada na Praça da Sé, tranquilamente, um lugar onde dá pra todo mundo sentar sem bloquear nada, mas não foi o que aconteceu, reprimiu no terminal.
Quando a manifestação é reprimida, o ato se desorganiza, e foi o que aconteceu, ele se dividiu em vários focos, e nessa hora a coisa assumiu um tom violento.
Porque é óbvio, um lado que tem arma, tem bomba, tem bala, ataca o outro, e obviamente ali as pessoas começaram a tentar contra atacar, de maneira desajeitada, quase desesperada, e ai começou a situação que é o que mais saiu no jornal hoje, não saiu nada de quando o ato tava organizado, pacífico, com dez mil pessoas fechando a Radial, mas saiu essa parte da destruição que causou esse cenário, quase de palco de guerra.
Na sequência, o repórter pergunta sobre depredações que ocorreram além do Terminal Parque Dom Pedro, na Av. Brigadeiro Luis Antônio. Na resposta, Caio procura deixar clara a posição do MPL na manifestação, e menciona a truculência da polícia como a causadora do caos.
BM: Foi um pessoal subindo pela Brigadeiro Luis Antônio, quebrando vidraças de bancos, pichando ônibus, quebrando vidro de ônibus, quebrando lixeira.
A impressão que se tem é que foi uma manifestação política pra falar da questão do passe. Isso foi orquestrado? Vocês chegaram a incentivar a subir a Brigadeiro pra fazer um quebra-quebra pra mostrar pra população de São Paulo a demanda, pra ganhar holofote? Houve isso?
CM: Depois que a manifestação é reprimida, o esforço que a gente tem é de reagrupar ela. É muita gente, e se não houve esse esforço a coisa pode ficar muito pior.
Quando a polícia dispersou, sobraram vários focos. Esse que subiu pela Brigadeiro foi um foco que decidiu subir até a Paulista e encerrar o ato no MASP. No entanto, depois que começa a repressão, a manifestação já é outra, ela tem um caráter diferente, que já foi marcado pela violência, e ai acontecem cenas como essa que são impossíveis de controlar quando se tem milhares de pessoas.
O Passe Livre não é dono da manifestação, a gente convoca ela e vão vários grupos, esses grupos têm uma organização própria, vai um monte de gente que não tem uma organização, são pessoas que vão porque querem lutar contra o aumento, e quando vier repressão policial é normal que você tenha cenas como essa, aliás a gente não tem como impedir isso.
O repórter pergunta se o movimento usa o fechamento de vias como forma de provocar a polícia. Caio responde a questão e diz que os atos são a favor da mobilidade, citando números de investimentos que o poder público faz no transporte individual em relação ao transporte coletivo.
BM: Mas ao mesmo tempo que acaba sendo ação e reação, uma multidão mobiliza grandes avenidas de São Paulo como uma forma até de provocar uma reação da polícia pra provocar um fato político. A violência faz parte da luta política de vocês?
CM: Não, não é isso. O movimento vai para as avenidas e toma elas como uma forma de protestar. Isso chama passeata, isso tem um nome, é uma ferramenta histórica que a população do mundo inteiro tem pra reivindicar os seus direitos. Tomar as ruas é um direito de manifestação, uma liberdade de expressão.
Quando a gente diz que se a tarifa não baixar, São Paulo vai parar, tem quase uma ironia ai, porque São Paulo já tá parada. A gente tá lutando pela redução da tarifa, então a gente tá lutando justamente por mais mobilidade.
Quando você fecha a rua, você explicita um travamento que já acontece todo dia. É uma cidade que, quando se fala em mobilidade urbana, a cada R$ 11 que o poder público investe no carro, ele investe R$ 1 em transporte coletivo, então é uma opção pelo trânsito, essa opção pela indústria automobilística. Quando você para as vias, você escancara isso.
Nesse sentido, de forma alguma a gente para a via pra ter repressão da polícia. A última coisa que a gente quer é ter repressão da polícia, porque, eu já falei, repressão da polícia causa o que aconteceu ontem.
A pauta, que é uma pauta justa, é uma demanda social clara, única e específica, que é a redução da tarifa, quando sai nos jornais é apresentada de outra forma, parece que a intenção das pessoas que estão lá não é lutar contra o aumento, é destruir coisas. De fato não sei no que contribui com a luta que se destrua bancos, mas isso é uma coisa que só deixa claro a situação que esse aumento gerou na cidade, um contexto de revolta popular.
No final da entrevista, o repórter pede para Caio dizer o que diria para o paulistano que vê a manifestação como algo negativo, por conta da violência e do prejuízo.
BM: Você sentiu que a barra pesou pra vocês. A repercussão de ontem, do quebra-quebra foi muito negativa.
Eu queria que você dissesse pro paulistano que tá revoltado com o quebra-quebra, com ter ficado parado no trânsito três horas, que teve problemas pessoais ou que se sentiu ultrajado pelo que aconteceu ontem na cidade o que você falaria pra essa pessoa.
CM: O que aconteceu ontem foi uma revolta popular. Isso tem que ficar claro.
A violência fica escancarada nessa hora quando as coisas são quebradas, quando as vias são bloqueadas. A imprensa chama isso de violência, mas não se fala de uma violência cotidiana que acontece silenciosamente, que é a violência de você ter uma catraca num ônibus e ter que pagar por uma coisa que é um direito seu.
A violência de ter aumentado vinte centavos. Hoje tava no UOL, uma notícia de que tem uma parcela da população de baixa renda de São Paulo que tá deixando de almoçar, que tá tendo que se virar com esse aumento da tarifa pra conseguir continuar pagando o ônibus.
Aliás, ninguém fala da violência que é 37 milhões de brasileiros que não conseguem pagar a tarifa todo dia, isso é muita gente.
Esse número é de 2010, e em 2010 a tarifa tava R$ 2,30 aqui em São Paulo, agora tá quase um real a mais, R$ 3,20.
Em 2010 tinha 37 milhões de pessoas no país que não conseguiam pagar a tarifa todo dia. Não poder pagar pelo transporte todo dia é não poder se deslocar pela cidade, é não conseguir chegar na escola, não conseguir chegar no hospital, não conseguir chegar no trabalho, não conseguir procurar emprego, não conseguir encontrar os amigos, não conseguir ir pro lazer, cultura, é não conseguir viver.
Então a violência da tarifa ninguém fala, ninguém fala como violência, e ela acontece todo dia silenciosamente, terrivelmente.
O MPL diz que enquanto a tarifa não for reduzida, as manifestações vão continuar. (Colaborou: Henrique Alves Dias)