O Jornal “O Estado de São Paulo” publicou nesta sexta feira (23) uma matéria onde é lembrado os famosos “fofões”, veículos de 2 andares que circularam nas linhas municipais. Leia a matéria na íntegra feita por Marcelo Duarte:
No dia 8 de setembro de 1987, São Paulo virou Londres. Por ironia, quando os famosos double-deckers já tinham provado não serem tão funcionais nas ruas londrinas, a Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC) colocou em circulação na cidade de São Paulo 11 unidades de ônibus de dois andares de 4,3 metros de altura. Eles circularam na linha 5111, no corredor de Santo Amaro. Em 1988, mais 26 foram adicionados à frota – dessa vez, fabricados pela Thamco Indústria e Comércio. Como os londrinos, todos os 37 foram pintados de vermelho. Em cada um deles cabiam 112 passageiros (os convencionais comportam atualmente 75, e os articulados, 120).
Como todo bom brasileiro, o nosso utilitário duplo ganhou um apelido: “Fofão” (devido a seus cantos arredondados). A novidade, entretanto, não passou de uma experiência do prefeito Jânio Quadros, que foi logo descartada: em 1993, os Fofões, que viviam se enroscando nos cabos de força dos trólebus, foram tirados de circulação e vendidos em leilões públicos.
Para Guilherme Lohmann, professor brasileiro de Transporte e Turismo da Southern Cross University, na Austrália, a falta de planejamento na cidade de São Paulo determinou o insucesso da frota. “Pontes baixas, fiação elétrica e poucos profissionais qualificados para dirigir esses ônibus tornaram o projeto de Jânio Quadros – que era claramente político – inviável”, diz o professor. Ele, entretanto, não descarta o uso dos ônibus de dois andares nas frotas viárias: “Desde que a malha urbana possa comportá-los, eles são uma boa opção”. Quanto à acessibilidade, os problemas ficaram no passado: “Os double-deckers modernos já têm a altura do degrau de embarque adequada e espaços baixos para abrigar usuários de cadeiras de roda”. Há hoje um único remanescente público do Fofão brasileiro. Ele está no Museu do Transporte, na zona Norte de São Paulo, que fica aberto de 3ª-feira a domingo, das 9h às 17h. A entrada é franca.
Os ônibus de dois andares começaram a circular pelas ruas de Londres em 1956. A partir de 1981, osRoutemasters – nome de fábrica do modelo – foram sendo substituídos pelos articulados (conhecidos por aqui como “ônibus-sanfona”). Em dezembro de 2005, os últimos remanescentes foram tirados de circulação.
Apesar da breve passagem pela história londrina (25 anos de presença sólida), os britânicos cultivaram um sentimento de nostalgia pelo utilitário. E conseguiram transformá-lo em um símbolo da cidade. A pressão da população acabou convencendo o governo a lançar uma nova linha de Routemasters. Prometidos desde 2008, ele voltaram para as ruas londrinas em 27 de fevereiro deste ano. São oito exemplares, que estão circulando em uma única rota (Victoria Station – Hackney), apenas no período diurno dos dias úteis. O Routemaster moderno, que comporta 62 pessoas sentadas, custa 1,4 milhão de libras. Cada assento, portanto, vale a bagatela de 22.580 libras – o preço do modelo 2012 de um carro Mercedes-Benz B-Class. O prefeito da cidade, Boris Johnson, declarou que a decisão de adicionar esses novos ônibus à frota da cidade não foi meramente estética: eles são mais ecológicos, consumindo metade do combustível usado por um ônibus comum.
Quem vai a Londres tem também a chance de andar em uma réplica do antigo double-decker em passeios pelos pontos principais da cidade, oferecidos por empresas de turismo. Outras trabalham com a locação dos utilitários para eventos: a This Bus aluga Routemasters para os casais londrinos celebrarem casamentos.
O professor Lohmann atribui o fracasso dos Routemasters à sua dependência de cobradores: “Com a privatização do sistema de ônibus de Londres, buscou-se reduzir o custo das operações, dando controle ao motorista para cobrar as tarifas”. Com os antigos Routemasters, isso não seria possível: o motor do ônibus ocupava sua parte dianteira, não permitindo o embarque de passageiros pela frente.